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Acordo de Leniência X Delação Premiada

Entenda Como Funciona Cada Instrumento e Suas Principais Diferenças

Nos últimos anos, o Brasil testemunhou uma série de operações de combate à corrupção que trouxeram à tona dois instrumentos jurídicos amplamente utilizados pela administração pública: o acordo de leniência e a delação premiada. Ambos desempenham um papel crucial na investigação de crimes, apuração dos envolvidos em práticas criminosas e na cessação de ilícitos, mas, apesar de serem frequentemente confundidos, possuem diferenças significativas em sua aplicação e objetivos.

Neste artigo, você entenderá como cada um desses instrumentos funciona e suas principais distinções, proporcionando, assim, uma visão clara sobre a aplicabilidade e os benefícios destes instrumentos. 

Acordo de Leniência

O acordo de leniência é uma ferramenta utilizada no combate à corrupção, especialmente no âmbito empresarial, já que se trata de um acordo que deve ser firmado com pessoas jurídicas envolvidas em práticas ilícitas. Inspirado em legislações de outros países, como o Sherman Antitrust Act norte-americano, o acordo de leniência no Brasil foi primeiramente regulamentado pela Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência)  e mais amplamente aplicado com a  Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).

Como Funciona?

O acordo de leniência é um acordo firmado entre a empresa (ou pessoa jurídica) e o Estado, por meio do órgão da Administração Pública competente, como a Controladoria-Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). 

Ou seja, o Acordo de Leniência pode ser firmado por empresas que tenham incorridos em ilícitos previstos em diversas normas da legislação brasileira, como a Lei Anticorrupção, o Código Penal e a Lei de Defesa da Concorrência e, portanto, várias entidades da Administração Pública possuem competência para a celebração do instrumento.

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Por esse motivo, e visando garantir uma uniformização e maior segurança jurídica deste instrumento no país, CGU, MPF, Advocacia-Geral da União (AGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) celebraram um Acordo de Cooperação Técnica, em 2022. 

Para validação do acordo, a empresa confessa sua participação em atos ilícitos (como corrupção, fraudes em licitações, formação de cartel, entre outros) e, em troca da sua colaboração nas investigações, obtém benefícios como:

  • Redução de multas;
  • Suspensão ou mitigação de sanções administrativas;
  • Possibilidade de continuar firmando contratos com a administração pública.

Para que o acordo seja válido, a empresa deve cessar imediatamente as práticas ilícitas e colaborar efetivamente com a investigação, fornecendo provas substanciais que ajudem a identificar outros envolvidos. O não cumprimento dessas obrigações pode resultar na revogação do acordo e na imposição de penalidades mais severas.

Além disso, as empresas devem cumprir com contrapartidas como a implementação ou o aperfeiçoamento do seu programa de integridade, pagamento dos valores acordos e permanente colaboração com as investigações, sob pena de terem o acordo extinto com a cobrança integral nas penalidades que teriam sido aplicadas. 

Para as empresas, o acordo de leniência representa uma oportunidade de redenção no mercado, ao passo que permite reduzir os danos financeiros e reputacionais. Ao firmar o acordo, a empresa sinaliza para o mercado que está comprometida com a transparência e a ética corporativa, especialmente se adotar um programa de compliance robusto.

Exemplo Prático

O acordo de leniência passou a ser mais conhecido pelos brasileiros no contexto da Operação Lava Jato, diversos acordos de leniência foram firmados com grandes empreiteiras envolvidas em esquemas de corrupção. Essas empresas, ao colaborarem com as investigações, receberam benefícios como sanções reduzidas e a dispensa da proibição de contratar com o poder público, algo que seria devastador para sua continuidade operacional.

Delação Premiada

A delação premiada (ou colaboração premiada) é um instrumento jurídico utilizado em processos criminais, que possibilita ao investigado ou réu colaborar com as autoridades para obter redução de pena ou outros benefícios legais. Ou seja, ao contrário do acordo de leniência, ele é celebrado por pessoas físicas como forma de obter benefícios em troca da sua colaboração na apuração dos ilícitos. 

Atualmente o instrumento encontra regulamentação na Lei nº 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), mas a Lei nº 9.807/99 (Lei de Proteção a vítimas e testemunhas) também se mostra relevante para a aplicação deste instituto, já que por meio dela foi ampliada a possibilidade para celebração dos acordos de delação premiada em relação a todos os tipos de crime.

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Como Funciona?

Diferente do acordo de leniência, a delação premiada é firmada entre o indivíduo (pessoa física) e o Estado, representado pelo Ministério Público ou por delegados de polícia. O delator, geralmente um investigado ou réu em uma ação penal, confessa seu envolvimento em crimes e oferece informações relevantes para a investigação, como detalhes sobre o modus operandi da organização criminosa, nomes de outros envolvidos e provas materiais que auxiliem a condenação de terceiros.

Os benefícios da colaboração premiada incluem:

  • Redução da pena;
  • Substituição da pena privativa de liberdade por restrição de direitos;
  • Em casos excepcionais, até mesmo a isenção total da pena.

No entanto, para que a delação seja eficaz e válida, a colaboração deve ser voluntária e resultar na efetiva identificação de outros criminosos ou na recuperação de valores desviados.

Para o colaborador, a delação premiada representa uma chance de reduzir o impacto de uma condenação. Além disso, dependendo do nível de colaboração e da gravidade dos crimes revelados, o colaborador pode até mesmo evitar o cumprimento de pena em regime fechado, algo que é especialmente atrativo para réus envolvidos em crimes de colarinho branco.

Não se pode negar, no entanto, que o instrumento é alvo de críticas, uma vez que muitos acreditam que ele não garante a veracidade dos relatos dos delatores e não oferece punições nos casos de possível obstrução da justiça. Por esse motivo, se discutem alterações na aplicação dessa modalidade de acordo. 

Exemplo prático

Além do uso das delações premiadas no âmbito da operação Lava Jato, uma outra operação de grande destaque midiático foi o da Operação Carne Fraca, deflagrada em 2017. Devido às investigações, os irmãos Wesley e Joesley Batista, proprietários do frigorífico JBS receberam perdão judicial após confessar o envolvimento da empresa em ilícitos e colaborarem com as investigações.

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Principais Diferenças Entre os Instrumentos

Portanto, conforme explicado, embora o acordo de leniência e a delação premiada tenham como principal objetivo a colaboração com as autoridades para o esclarecimento de crimes e facilitação de investigações, eles possuem diferenças fundamentais, tanto no que diz respeito aos sujeitos envolvidos quanto aos benefícios oferecidos.

Aqui está um resumo visual das principais distinções:

Acordo de LeniênciaDelação Premiada
SujeitoEmpresa (pessoa jurídica)Indivíduo (pessoa física)
Previsão legalLei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência)Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013
AplicaçãoAtos ilícitos contra a administração pública praticados por pessoas jurídicas, como fraudes em licitação, corrupção e formação de cartelCrimes previstos no Código penal, ilícitos no âmbito de organizações criminosas, corrupção, lavagem de dinheiro praticados por pessoas físicas
BenefíciosRedução de multas, manutenção de contratos com o poder público, isenção de certas sançõesRedução ou extinção da pena, substituição de pena privativa de liberdade e até perdão judicial
ObjetivosReparação de danos ao erário e continuidade empresarialIdentificação de crimes e responsabilização de outros envolvidos
Consequência da violaçãoRevogação dos benefícios e aplicação integral das sançõesPerda dos benefícios e possível condenação sem atenuantes

Essas diferenças fazem com que cada instrumento tenha um papel específico dentro do sistema jurídico, apesar de ambos serem uma forma de facilitação do trabalho investigatório. Enquanto o acordo de leniência visa, em grande parte, a proteção da continuidade econômica das empresas, a delação premiada foca principalmente na responsabilização criminal dos indivíduos e no desmantelamento de organizações criminosas.

Conclusão

Embora o acordo de leniência e a delação premiada possam parecer similares em certos aspectos, suas finalidades, sujeitos e consequências são bastante distintas. O acordo de leniência é voltado para a empresa e busca a reparação do dano causado ao poder público, ao passo que a delação premiada foca na responsabilização de indivíduos e no esclarecimento de crimes em âmbito penal.

Entender essas diferenças é fundamental para advogados e operadores do direito que atuam tanto na área empresarial quanto no âmbito criminal. Cada um desses instrumentos tem seu lugar específico dentro do ordenamento jurídico brasileiro, e saber utilizá-los corretamente pode ser a chave para mitigar danos e colaborar com a justiça de maneira eficaz.

Agora que você compreendeu as diferenças entre os dois instrumentos, que tal entender melhor o papel das sanções administrativas previstas na Lei Anticorrupção na nossa Pós-Graduação em Direito Administrativo? Confira também nossos outros artigos para se manter atualizado com as melhores práticas jurídicas!

Referências: 

BRASIL. Acordo de Cooperação Técnica que entre si celebram o Ministério Público Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) em matéria de combate à corrupção no Brasil, especialmente em relação aos acordos de leniência da Lei nº 12.846, de 2013. Disponível em: https://repositorio.cgu.gov.br/bitstream/1/68730/5/ACT_%20assinado_versão%20final.pdf. Acesso em: 23 de set. 2024. 

BRASIL. Controladoria Geral da União. Como fazer um acordo. Acordo de Leniência. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/integridade-privada/acordo-leniencia/como-fazer-um-acordo. Acesso em: 23 de set. 2024.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Delação Premiada. Direito Fácil. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/delacao-premiada. Acesso em: 23 de set. 2024.

BRASIL. Ministério Público Federal. Acordos de Leniência. Combate à Corrupção. Disponível em: https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/publicacoes/guia-pratico-acordo-leniencia/. Acesso em: 23 de set. 2024.

Entenda o que é delação premiada e quando ela pode ser utilizada. CNN Brasil, 08 set. 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/entenda-o-que-e-delacao-premiada-e-quando-ela-pode-ser-utilizada/. Acesso em: 23 de set. 2024.

STF libera conteúdo da delação dos donos da JBS; veja principais pontos. G1, 19 mai. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/stf-libera-conteudo-da-delacao-dos-donos-da-jbs.ghtml. Acesso em: 23 de set. 2024.

TEIXEIRA, Pedro. AGU e CGU concluem acordos de leniência com empresas da Lava Jato. CNN Brasil, 20 set. 2024. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/agu-e-cgu-concluem-acordos-de-leniencia-com-empresas-da-lava-jato/. Acesso em: 23 de set. 2024.

U.S. Federal Trade Commission. Guide to Antitrust Laws. The Antitrust Laws. Disponível em: https://www.ftc.gov/advice-guidance/competition-guidance/guide-antitrust-laws/antitrust-laws. Acesso em: 23 de set. 2024.  

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