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Interpretação constitucional na prática: estudo de caso do STF - Blog do Direito IDP

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Tempo de leitura: 9 min

Interpretação constitucional na prática: estudo de caso do STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) é previsto na Constituição Federal de 1988 como um dos órgãos do Poder Judiciário, responsável pela interpretação constitucional. 

É composto por 11 Ministros e Ministras, de notável saber jurídico e reputação ilibada. A nomeação é feita pelo ou pela Presidente da República, depois de aprovada a escolha por maioria absoluta do Senado Federal.

As atribuições do STF também estão traçadas na Constituição. Uma delas é seu papel como Corte Constitucional, guardião da Constituição. O Supremo considerando o texto constitucional como definidor dos limites do poder e da autoridade do governo.

Outra atribuição é julgar três tipos de ação: (a) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI); (b) Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC); e (c) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).

Mas como estudar ADIs, ADCs e ADPFs na prática? Como podemos nos debruçar sobre o estudo de caso em que a interpretação constitucional do STF teve impacto nacional?

Tomaremos como precedente (leading case) o exemplo trabalhado como método hipotético-dedutivo em metodologia jurídica, aqui no Blog do IDP. Trata da decisão de 2011 que equiparou as uniões estáveis homoafetivas às heteroafetivas no direito brasileiro, ampliando a interpretação do artigo 226, § 3º, da Constituição.

Vamos lá!

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132/RJ e Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277/DF

O Governador do Estado do Rio de Janeiro ajuizou ADPF por negativa de direitos aos homossexuais, especialmente previdenciários, em relação à legislação estadual fluminense.

No mérito, pediu a aplicação do regime jurídico das uniões estáveis heteroafetivas às homoafetivas, à luz dos princípios constitucionais, ao invés de uma leitura reducionista da Constituição Federal e do Código Civil.

Já a ADI foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) para que o STF declarasse a obrigatoriedade de reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. A PGR pediu também que os casais homoafetivos possuíssem direitos idênticos aos companheiros heteroafetivos.

As duas ações foram votadas de forma conjunta. A sessão foi presidida pelo Ministro Cezar Peluso, e votaram a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ayres Britto (Relator), Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowsk e Luiz Fux.

O conteúdo dos votos

O Relator Ayres Britto foi o primeiro a votar. Disse que as uniões estáveis não são vínculo patrimonial, empresarial ou biológico, mas afetivo e solidário. Para a sua configuração, devem ser consideradas quatro características: durabilidade, conhecimento pelo público, continuidade e propósito ou anseio de se constituir família. 

Justifica que o termo “o homem e a mulher” constante no texto constitucional (e reproduzido no Código Civil) tem a intenção apenas de ressaltar a vedação de hierarquia entre eles, como era legítimo até recentemente.

Ressalta ainda que não se pode alegar que os heteroafetivos percam caso a equiparação seja julgada procedente, porque não traz prejuízos a terceiros. Também não se pode atrelar a formação de entidade familiar a qualquer formalidade, seja cartorária, celebração civil ou religiosa.

Na sequência, votou o Ministro Luiz Fux. Ele entende que o julgamento tem como questão a violação de direitos fundamentais de quem exerce orientação sexual minoritária. A homossexualidade é uma orientação (e não opção), fato da vida (e não ideologia), e característica da personalidade individual (e não crença).

A questão não é saber se as uniões homoafetivas encontram respaldo na Constituição, mas qual o tratamento jurídico a ser conferido a essas uniões. Procura o modo constitucionalmente adequado para a realização de dignidade e livre exercício de direitos fundamentais de seus integrantes.

Em relação à expressão “o homem e a mulher”, entende que foi inserida no texto constitucional para trazer à luz as uniões estáveis como entidade familiar. Reconhece que a conquista emancipatória que vêm ganhando primeiro as mulheres, e agora os homoafetivos, é decorrência das evoluções por que passam a sociedade.

Depois votou a Ministra Cármem Lúcia. Quanto à expressão “o homem e a mulher”, ela aponta não ser exato que pretendam erradicar qualquer diferenciação entre ambos.

Na verdade, as discussões na Assembleia Nacional Constituinte (ANC) de 1987-1988 provam que a não discriminação por orientação sexual foi debatida e perdeu forças graças à ala conservadora de votantes.

Para ser livre, em um Estado Democrático de Direito, as pessoas precisam também de liberdade de orientação sexual, e que seja coibida toda forma de discriminação.

O próximo a votar foi o Ministro Ricardo Lewandowski. Diz que não tem como adequar as uniões homoafetivas no mesmo conceito das heteroafetivas, nem no casamento, ainda mais considerando os debates da ANC.

Devem então ser enquadradas em um outro gênero, não previsto no rol do artigo 226 da Constituição, mas decorrente da leitura sistemática do texto e princípios constitucionais.

Apesar da diferenciação, devem ser aplicadas as regras do instituto que lhe é mais próximo, o da união estável de pessoas heteroafetivas, mas somente nos aspectos que guardam semelhanças.

Deu continuidade à votação o Ministro Joaquim Barbosa. Para ele, e segundo vários especialistas, as uniões homoafetivas existem desde sempre, assim como as heteroafetivas, e possivelmente sempre existirão. O que varia, na verdade, é o contexto cultural em que estão inseridas.

Na sistemática do Direito Constitucional, as uniões estáveis homoafetivas se justificam em razão da proteção dos direitos fundamentais e dos princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana e não discriminação.

Sobre a expressão “o homem e a mulher”, acredita demonstrar processo de inclusão social e rechaço ao preconceito que existia entre casais heteroafetivos que conviviam sem a formalização do casamento.

O próximo, Ministro Gilmar Mendes, analisa que o fato de a Constituição proteger a união estável heteroafetiva não significa e nem poderia significar negativa à proteção das homoafetivas, em respeito aos Direitos Humanos.

Para ele, a expressão “o homem e a mulher” não pode obstruir o reconhecimento das uniões homoafetivas, como se tratasse de proibição ou exclusão, por força dos princípios constitucionais. Devem ser retiradas do limbo jurídico e integrarem o rol de entidades familiares.

Reconhece por fim que a união homoafetiva abarcada pelo conceito de família pelo Judiciário é uma solução provisória até que o Poder Legislativo se manifeste. Até o final de outubro de 2022, não foi aprovada legislação federal nesse sentido.

O próximo, Ministro Marco Aurélio, afasta o conceito de família da procriação exclusiva e do patriarcado, principalmente com a equiparação de direitos e deveres entre homens e mulheres.

Para ele, as uniões homoafetivas devem ser juridicamente equiparadas às heteroafetivas, sem ressalvas de aplicação, considerando a proteção da afetividade.

O penúltimo foi Celso de Mello. Afirma que seria arbitrário e inaceitável que qualquer lei exclua, discrimine, desrespeite ou puna os indivíduos em razão de sua orientação sexual.

A literalidade “o homem e a mulher” não traduz vedação à extensão do mesmo regime às uniões homoafetivas, sob pena de desvirtuar a natureza constitucional. Foi inserida na ANC para superar a discriminação que historicamente incidia sobre as relações entre homem e mulher.

O último a votar foi o Ministro Cezar Peluso. Afirma que o rol de entidades familiares trazidas pelo artigo 226 da Constituição não é taxativo, sendo possível o reconhecimento normativo de outras famílias, como a homoafetiva.

Ressalta que nem todas as normas relativas às uniões estáveis heteroafetivas devem ser aplicadas às homoafetivas. Isso porque se trata de equiparação dos institutos, e não plena igualdade, razão pela qual reclamam particularidades próprias por terem naturezas distintas.

A conclusão da decisão

Ao final, por votação unânime, acordaram os Ministros e Ministra em julgar procedentes as ações, com eficácia erga omnes (para todos aqueles que se enquadrem naquela conjectura de incidência) e efeito vinculante (de observância obrigatória), com as mesmas regras e consequências da união estável heteroafetiva.

Ministros e Ministra foram autorizados a decidirem monocraticamente sobre a mesma questão, independentemente da publicação do acórdão.

Também se passou a admitir a conversão da união homoafetiva em casamento: o próprio artigo 226 da Constituição prevê que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento.

Em vista disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) passou a admitir a habilitação para o casamento diretamente junto ao Registro Civil, não sendo necessária formalização da união para depois transformá-la em matrimônio.

Efeitos práticos da equiparação

A decisão não ficou só no papel. Em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 175, proibindo as autoridades competentes de recusarem a habilitação, celebração de casamento civil ou a conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo, sob pena da imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.

Existem na mídia inúmeras notícias de cartórios que se recusaram a registrar uniões estáveis, ou de convertê-las em casamento. No entanto, de acordo com levantamento, foram registradas em 2021 no país 2.188 uniões homoafetivas, uma alta de aproximadamente 2% em comparação ao ano anterior. Já em 2019, o número de declarações foi de 2.151.

Os maiores índices são do Rio de Janeiro e São Paulo, e os menores em Roraima, Acre e Tocantins.

Esse estudo de caso do STF demonstra a importância da interpretação constitucional para os operadores e as operadoras do Direito, sobretudo para a proteção de direitos fundamentais e respeito à dignidade da pessoa humana.

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Referências:

BRASIL. Código Civil (2002). Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 24 outubro 2022.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 24 outubro 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 Rio de Janeiro e Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 Distrito Federal. Min. Relator: Ayres Britto. Brasília, 05 de maio de 2011. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 24 outubro 2022.

CNN. Brasil registra mais de 2,1 mil uniões homoafetivas em 2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil-registra-mais-de-21-mil-unioes-homoafetivas-em-2021/>. Acesso em: 24 outubro 2022.

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