André de Souza Coelho Gonçalves de Andrade
Doutorando em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP)
RESENHA CRÍTICA
“Teoria da Agência e Descentralização no Setor de Energia Elétrica: os Casos de São Paulo e Rio de Janeiro”
Os autores analisam a descentralização dos serviços públicos de fornecimento de energia elétrica a partir dos casos de São Paulo e Rio de Janeiro. Utilizam a Teoria da Agência para entender, em cada caso, a relação entre a agência federal e as agências estaduais.
A introdução apresenta a gênese das agências reguladoras no Brasil, associada a um contexto de crise fiscal e transformação do papel do estado. Também apresenta os 12 convênios e 3 acordos de interesses realizados pela ANEEL com as agências reguladoras dos estados. Para os autores, esta descentralização é mais o resultado da articulação política de estados e empresas estaduais do que uma estratégia de organização da própria ANEEL. Contém ainda uma breve discussão da metodologia, que compreendeu análise documental e entrevistas semiestruturadas com os servidores das agências. Aqui, os autores poderiam se delongar mais na metodologia, explicando não só que documentos foram consultados e como tiveram acesso aos mesmos, como também que servidores foram entrevistados (ou ao menos sua posição nas agências), como foi seu acesso a eles e a composição do questionário de entrevista semiestruturada.
O segundo capítulo é totalmente dedicado à teoria da agência, a qual pressupõe a existência de um agente (agente) que atua em favor ou como representante de um proprietário (principal), por meio de uma delegação de autoridade para tomada de decisão, prevista em contrato que constitui uma relação denominada relação de agência. Note-se que aqui os autores se confundem com a terminologia em inglês e apontam que o agent seria o mandatário, quando na verdade esse é o mandante, sendo o mandatário o agente. Essa teoria ganhou relevância ao estudar questões de governança decorrentes da separação entre propriedade e gestão, que são aplicáveis tanto ao setor privado quanto ao setor público (burocracia). Segundo os autores, a assimetria de informações entre agente e proprietário permite que o agente apresente informações incompletas. Porém, o mais importante é que agente e proprietário tem interesses distintos e muitas vezes esses interesses podem ser conflitantes.
No meio do capítulo 2, quando mencionam contrato ótimo, os autores passam a tratar da ANEEL e da sua relação com as agências estaduais, em especial a busca pelo contrato ótimo e a posição da ANEEL como proprietário e as agências estaduais como agentes. Com base em autores anteriores destacam que predomina nessa relação a supervisão do tipo patrulha policial, apesar de haver um mecanismo de alarme de incêndio via recurso das decisões das agências estaduais para a própria ANEEL. A questão da relação proprietário-agente entre a ANEEL e as agências mereceria um capítulo a parte, pois somente a partir dela se pode compreender, entendido que a Teoria da Agência é o arcabouço teórico, os casos apresentados.
Isto posto, o capítulo 3 apresenta os casos de São Paulo e Rio de Janeiro, classificando um como sucesso e outro como hesitação, respectivamente. No caso de São Paulo, começa com um histórico de criação da Agência Reguladora de Serviços Públicos de Energia do Estado de São Paulo (ARSESP), incluindo a relação financeira entre ambas e apresenta a possibilidade de a ARSESP atuar na fiscalização sem contrapartida financeira da ANEEL. Essa independência financeira pode demonstrar uma dependência da ANEEL em relação a ARSESP, dada sua abrangência (territorial e econômica) e a já declarada autonomia financeira. Os autores aproveitam o caso de São Paulo para tecer críticas ao modelo de convênio da ANEEL, incluindo a forma de remuneração que seria criticada pelos parceiros estaduais (sem fontes apresentadas pelos autores) e o modelo de avaliação das atividades realizadas ao longo dos convênios, que permitiria descontos nos valores pagos. Para o caso do Rio de Janeiro, os autores também apresentam um histórico, no qual as tratativas para estabelecimento de um convênio remontam a 2008, até que em 2019 foi assinado um acordo de interesses entre a ANEEL e a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (AGENERSA). Depois, descrevem longamente as diversas tratativas para assinatura do convênio, que nunca aconteceu.
A conclusão dos autores é de que a descentralização não representa um esvaziamento do governo federal, o que continua com as atribuições de coordenação das ações. Essa coordenação é uma padronização das políticas públicas implementadas pelos estados e municípios. Para os autores, o caso de São Paulo reforça esse argumento, na medida em que a ANEEL não conseguiria suprir as atividades fornecidas pela ARSESP, havendo dependência do proprietário para com o agente. Já o caso do Rio mostra que essa relação agente-proprietário precisa dos incentivos certos para se estabelecer, para ambas as partes, promovendo o alinhamento de interesses. Os autores sugerem ainda pesquisas futuras sobre a avaliação de efetividade das agências estaduais.
REFERÊNCIAS
PEREIRA, Lauro Borges; PALOTTI, Pedro Lucas de Moura. Teoria da Agência e Descentralização no Setor de Energia Elétrica: os Casos de São Paulo e Rio de Janeiro. Revista Direito Público. Brasília, Vol. 21, n. 111, ago./out., 2024.
SOBRE O AUTOR
André de Souza Coelho Gonçalves de Andrade é Doutor em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV). Doutorando em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Mestre em Filosofia pela Universidade Gama Filho (UGF). MBA em E-business pela Fundação Getulio Vargas. Pós-Graduado em Propriedade Intelectual pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual/Universidade da África do Sul (OMPI/SAU). Especialista em Análise de Sistemas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi professor do MBA em Gerência de Projetos da Fundação Getulio Vargas, Foi coordenador de Pós-Graduação da Universidade Candido Mendes e professor de Direito da mesma instituição. Tem certificação Project Management Professional (PMP) pelo Project Management Institute (PMI) desde 2007.
MINICURSO DIÁLOGOS EM DIREITO PÚBLICO
Essa resenha faz parte do Minicurso Diálogos em Direito Público, uma iniciativa da Revista Direito Público (ISSN: 2236-1766), que busca promover a divulgação científica e o debate sobre artigos científicos publicados na revista. Criado em 2023, o minicurso tem como objetivo fomentar a interlocução entre pesquisadores e a comunidade acadêmica por meio da apresentação de dossiês temáticos. Durante o evento, os autores dos artigos discutem suas pesquisas, permitindo a troca de ideias e a construção de novas perspectivas. Além disso, os participantes têm a oportunidade de produzir resenhas dos artigos, contribuindo para a reflexão e a expansão do conhecimento na área.