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Resenha crítica do artigo “Refugiados Venezuelanos em Roraima – proteção para além da Convenção de 51”

Elina Magnan Barbosa
Doutora em Justiça Constitucional e Direitos Fundamentais pela Universidade de Pisa. Mestra em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília. Doutoranda em Direito pelo IDP. Mestranda da European Public Law Organisation em Direito Europeu. Especialista em Giustizia Costituzionale e Diritti Fondamentali pela Universidade de Pisa. Especialista em Direito Público pelo IDP. Especialista em Direito Ambiental e Recursos Hídricos pela Universidade Cândido Mendes. Procuradora do DF.

Introdução

Como Hannah Arendt destacou em 1949, a situação dos refugiados e apátridas expõe uma desconexão profunda entre os chamados direitos humanos e os direitos do cidadão, entre as reivindicações universais à dignidade e igualdade humanas e as indignidades reais sofridas por aqueles que possuem apenas seus direitos humanos e perderam a pertença a uma comunidade política (ARENDT, 1949). 

   Nesse contexto pós-guerra, a Convenção de Genebra de 1951 foi elaborada como um marco normativo internacional, definindo o status de refugiado e estabelecendo a proteção humanitária para aqueles que têm um temor fundamentado de perseguição com base em raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um grupo social específico ou opinião política, e que não podem ou não desejam retornar ao seu país de origem (GENEBRA, 1951). Posteriormente, essa definição foi ampliada para incluir indivíduos que fogem de seu país devido à violência generalizada, guerra ou desastres naturais, mas que não se enquadram na definição estrita de refugiado (OUA, 1969; CARTAGENA, 1984).

   Tendo as Convenções acima citadas como moldura normativa, o artigo em análise explora o impacto dos movimentos sociais na defesa dos direitos dos refugiados venezuelanos no Brasil e a repercussão sociopolítica da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Civil Ordinária (ACO) 3121. Esta decisão rejeitou o pedido do Estado de Roraima para que a União Federal providenciasse controle policial e sanitário, transferência de verbas para serviços aos refugiados e o fechamento temporário da fronteira com a Venezuela ou limitação do fluxo migratório.

   Os autores utilizam uma abordagem sociológica para analisar o caso dos refugiados em Roraima, apoiando-se na obra de Zygmunt Bauman (2000) sobre a “sociedade líquida”, que ilustra a volatilidade das estruturas sociais contemporâneas e os desafios impostos pela migração forçada. Eles ressaltam que, embora a Convenção de 1951 e legislações subsequentes ofereçam uma base sólida para a proteção dos refugiados, a eficácia dessas normas depende da ação concreta dos Estados e da sociedade civil, especialmente considerando que muitos dos imigrantes venezuelanos são “refugiados de fato” que não se enquadram na definição da Convenção de Genebra.

   O artigo critica, ademais, a abordagem restritiva proposta pelo Estado de Roraima em sua petição, argumentando que um endurecimento excessivo das políticas migratórias poderia comprometer o sistema internacional de proteção aos refugiados, contrariando os princípios da Convenção de Genebra e da Constituição Federal brasileira. A decisão do STF, que rejeitou o fechamento da fronteira, é celebrada como um exemplo da prevalência dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana.

   Destaca também que a concretização dos direitos dos refugiados exige mais do que o reconhecimento legal, sendo necessária a participação ativa de movimentos sociais e organizações não governamentais para superar as limitações do poder público e garantir uma acolhida humanitária eficaz. Conclui ao afirmar que a colaboração entre diferentes atores sociais e institucionais é essencial para garantir que os direitos dos refugiados sejam efetivamente respeitados e implementados.

   Por último, para além do exposto no artigo, porque se trata de problema estrutural transnacional, a questão dos refugiados não pode ser vista unicamente sob o prisma interno, propondo-se, assim, uma abordagem pluralista, apoiada em esforços globais que incentivem a cooperação entre os Estados sob uma governança compartilhada e orientada pelo direito internacional. 

REFERÊNCIAS

Arendt, Hannah. We Refugees. The Menorah Journal, v. 31, n. 1, p. 69-77, 1949.

Bauman, Z. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

Fontes, A. V. Z., & Linhares, F. N. (2023). O Papel dos Movimentos Sociais na Concretização dos Direitos dos Refugiados: Análise do Caso Venezuelano a partir da Decisão do STF na ACO 3121/RR. Revista Direito Público, Brasília.

OAU, Convention Governing the Specific Aspects of Refugee Problems in Africa, 1001 U.N.T.S.45, September 1969. 

ONU. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951. Genebra: ONU, 1951.

MINICURSO DIÁLOGOS EM DIREITO PÚBLICO

Essa resenha faz parte do Minicurso Diálogos em Direito Público, uma iniciativa da Revista Direito Público (ISSN: 2236-1766), que busca promover a divulgação científica e o debate sobre artigos científicos publicados na revista. Criado em 2023, o minicurso tem como objetivo fomentar a interlocução entre pesquisadores e a comunidade acadêmica por meio da apresentação de dossiês temáticos. Durante o evento, os autores dos artigos discutem suas pesquisas, permitindo a troca de ideias e a construção de novas perspectivas. Além disso, os participantes têm a oportunidade de produzir resenhas dos artigos, contribuindo para a reflexão e a expansão do conhecimento na área.

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