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Resenha crítica do artigo “O movimento negro e a luta pela constituição de 1988: da assembleia nacional constituinte à jurisdição constitucional”

Sara P. Leal
Mestranda em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Bolsista Capes. Graduada em Direito pela Universidade de Brasília (UnB).

RESENHA CRÍTICA

O artigo de Wallace Corbo analisa a relação entre o movimento negro brasileiro e a Constituição de 1988, destacando desde sua elaboração na Assembleia Nacional Constituinte até os dias atuais. O autor sustenta que a identidade constitucional do Brasil foi moldada e continua a ser transformada pelas lutas em torno de políticas de ação afirmativa, com ênfase no debate sobre cotas raciais no ensino superior.

   O autor utiliza o conceito de “luta pela Constituição” para descrever a atuação do movimento negro brasileiro. Essa luta ocorre em diferentes âmbitos – sociais, políticos e jurídicos – com o objetivo de garantir que as demandas da população negra sejam reconhecidas e convertidas em direitos fundamentais. Corbo ressalta o papel crucial da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, onde, apesar da resistência de setores conservadores, o movimento negro conseguiu incluir pautas essenciais no texto constitucional, como a criminalização do racismo .

   Conforme Corbo, a luta não terminou com a promulgação da Constituição. O movimento negro seguiu pressionando por políticas públicas, como as cotas raciais, enfrentando debates sobre a constitucionalidade dessas medidas. A aprovação da Lei de Cotas em 2012 (BRASIL) e a decisão do Supremo Tribunal Federal, em 2017, que validou a reserva de vagas em concursos públicos , são exemplos de vitórias marcantes nessa trajetória.

   É relevante complementar o artigo de Corbo destacando a recente aprovação da Lei 14.532/2023, que equiparou a injúria racial ao crime de racismo. Com essa mudança, a pena para a injúria racial foi aumentada, prevendo reclusão de dois a cinco anos, além de multa. Ademais, o crime de injúria racial tornou-se imprescritível e inafiançável, reforçando a gravidade com que o ordenamento jurídico brasileiro passou a tratar as ofensas raciais, em consonância com o compromisso constitucional de combate ao racismo. Essa alteração legislativa, fruto da luta social, representa um avanço significativo nas lutas antirracistas e na concretização dos direitos fundamentais defendidos pelo movimento negro (AMPARO; PIMENTEL, 2023).

   Retornando aotexto, o autor conclui que a história do movimento negro revela o caráter dinâmico da Constituição, sempre em processo de transformação. As batalhas travadas em múltiplas frentes têm sido fundamentais para fortalecer o compromisso constitucional com a igualdade e o antirracismo, moldando a identidade constitucional brasileira em direção a uma sociedade mais justa e inclusiva.

   Nesse sentido, destaca-se, além do debate judicial, a incorporação da pauta racial nas políticas públicas, como evidenciado pela criação do novo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) n.º 18, voltado para a igualdade étnico-racial, em 2023. A inclusão desse ODS, de caráter exclusivamente nacional, reafirma o papel central que a igualdade racial desempenha na construção de um futuro mais justo e inclusivo no Brasil, refletindo o compromisso com a promoção da equidade racial no âmbito das políticas de desenvolvimento sustentável (MRI, 2024).

   Desse modo, o texto de Corbo vai além de uma simples análise histórica, convidando à reflexão sobre o papel crucial do movimento negro na construção de uma sociedade mais equitativa e sobre a necessidade de continuar lutando pela efetivação dos direitos já conquistados. A Constituição de 1988, longe de ser um documento estático, é um espaço de disputas onde o futuro do país está sendo definido. Nesse cenário, o movimento negro, com sua trajetória de resistência e luta, desempenha um papel fundamental.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.

AMPARO, T de S.; PIMENTEL,A. A equiparação de injúria racial e racismo: avanços e reconhecimento na legislação antirracista. Publicado em: 31 jan. 2023. Disponível em: <https://portal.fgv.br/artigos/equiparacao-injuria-racial-e-racismo-avancos-e-reconhecimento-legislacao-antirracista>. Acesso em: 18 set. 2024. 

MINISTÉRIO DA IGUALDADE RACIAL – MRI. ODS 18 – Igualdade Étnico-Racial. Disponível em: <https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/assuntos/ods18>. Acesso em: 18 set. 2024. 

MINICURSO DIÁLOGOS EM DIREITO PÚBLICO

Essa resenha faz parte do Minicurso Diálogos em Direito Público, uma iniciativa da Revista Direito Público (ISSN: 2236-1766), que busca promover a divulgação científica e o debate sobre artigos científicos publicados na revista. Criado em 2023, o minicurso tem como objetivo fomentar a interlocução entre pesquisadores e a comunidade acadêmica por meio da apresentação de dossiês temáticos. Durante o evento, os autores dos artigos discutem suas pesquisas, permitindo a troca de ideias e a construção de novas perspectivas. Além disso, os participantes têm a oportunidade de produzir resenhas dos artigos, contribuindo para a reflexão e a expansão do conhecimento na área.

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