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Resenha crítica do artigo “Jurimetria: Impacto da Litigância Estratégica da Uber na Formação de Jurisprudência sobre Vínculo Empregatício com Motoristas no Brasil”

Daiane Mendes Pereira Torres
Doutoranda em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).


RESENHA CRÍTICA

“Jurimetria: Impacto Da Litigância Estratégica Da Uber Na Formação De Jurisprudência Sobre Vínculo Empregatício Com Motoristas No Brasil”

Neste texto, os autores discorrem sobre a estratégia judicial adotada pela uber nos julgamentos de demandas que envolvem a pretensão do reconhecimento da existência do vínculo trabalhista entre a plataforma e os motoristas parceiros cadastrados. Segundo os autores, a Uber propõe acordo nas ações em que poderia obter decisão desfavorável ao passo que permite que o julgamento das ações em órgãos com tendência a julgar a favor de sua posição em tribunais, tudo isso com a intenção de criar jurisprudência favorável a seus interesses. Ou seja, sua estratégia interfere diretamente na formação do próprio direito, considerando que a jurisprudência é fonte secundária do direito.

Uma discussão interessante proposta no texto é a conceituação da relação de emprego, por meio dos requisitos: pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade. No caso da plataforma uber, vários desses requisitos se fazem presentes. A pessoalidade se manifesta pela impossibilidade de substituição do motorista cadastrado no aplicativo por terceiro, em razão da identificação do motorista por fotos para que os usuários possam denunciar na seção “Uber Help”, caso a corrida seja feita por terceira pessoa.

Com relação ao requisito não-eventualidade, os autores discorrem sobre o argumento utilizado para afastar a relação de emprego, consistente na possibilidade de o motorista estar cadastrado em vários aplicativos de corrida e, por isso, trabalhar em caráter de não exclusividade. No entanto, a própria CLT prevê a figura do trabalhador eventual que pode ser comparado ao motorista de aplicativo, como entendido no caso do agravo de instrumento em recurso de revista nº 0010479-76.2022.5.15.0151, julgado pela 6ª Turma do TST (2023).

O elemento da onerosidade é reforçado pela precificação do trabalho pela plataforma, caracterizando o assalariamento do trabalhador.

Em relação ao conceito de subordinação, sua configuração resta totalmente reformulada quanto se trata de prestação de serviço por meio de plataformas digitais. Nesse contexto, surge o conceito de subordinação algorítmica, segundo o qual: 

“(…) não há mais a figura do patrão que exerce poder diretamente sobre o empregado, pois estabeleceu-se uma relação intermediada por um algoritmo que atua no campo da subjetividade do motorista, exercendo o controle da atividade de forma oculta através de mecanismos que acionam respostas programas do trabalhador enquanto dá a percepção de que o próprio motorista gerencia a atividade, mas somente na medida que lhe é permitido e que convém à empresa, criando um tipo de autogerenciamento subordinado.” (Oviedo, Silva e Santos, 2023, p. 196).

Dessa forma, os autores apontam que, para o mesmo fato, há posições diversas de entendimento entre as decisões judiciais. Há juristas que entendem que, para caracterização da relação de trabalho basta que um ou mais requisitos sejam cumpridos, conforme preconiza a Recomendação nº 198 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Por outro lado, há vários julgados em sentido contrário que defendem a conjugação concomitante dos 4 (quatro) elementos: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica, não reconhecendo a relação de emprego entre motorista e Uber quando ausente um dos requisitos. No entanto, deve ser considerado que as relações de emprego se amoldam às novas relações sociais e tecnologias, cabendo ao magistrado uma atividade interpretativa, com juízo de valor adaptativo das normas ao contexto em que se apresentam.

Em relação ao termo jurimetria, os autores afirmam que o conceito é de autoria de Lee Loevinger, segundo o qual é considerada “uma ferramenta de métrica jurídica que, dentre outras funções, indica a probabilidade de uma decisão judicial ser ou não favorável a determinado pleito, ou seja, consiste na aplicação da estatística à prática jurídica.” (Oviedo, Silva e Santos, 2023).

Essa técnica é utilizada pela Uber para mapear os órgãos colegiados em que há probabilidade de obter decisões favoráveis ao reconhecimento da relação de emprego e, nestes casos, são propostos acordos entre as partes com o objetivo de encerrar o litígio e arquivar o processo. Em alguns casos, os magistrados se negam em homologar referidos acordos, considerando que “se tratava de tentativa evitar o reconhecimento do vínculo empregatício para manipulação da jurisprudência, bem como por entender que os termos do acordo impunham ao reclamante que renunciasse a direitos indisponíveis” (Oviedo, Silva e Santos, 2023).

Ao final, o texto faz uma crítica às decisões recentes do Supremo Tribunal Federal que, segundo a lógica neoliberal de desregulamentação das relações de trabalho, tem cassado decisões que haviam reconhecido o referido vínculo, em prol de uma visão economicista.

Dessa forma, a Uber, a exemplo de outras plataformas digitais, tem utilizado de artimanhas processuais para conduzir a jurisprudência em prol de seus interesses particulares. Tal prática pode ser considerada como litigância de má-fé (artigo 80 do CPC), situação que evidencia a necessidade de atenção pelos operadores do direito, para evitar que o Poder Judiciário seja utilizado como balcão de negócios em prol dos interesses do mercado.

REFERÊNCIAS

OVIEDO, F. J. I.; SILVA, W. C.; SANTOS, M. L. C. Jurimetria: impacto da litigância estratégica da UBER na formação de jurisprudência sobre vínculo empregatício com motoristas no Brasil. Revista de Direito Público – RDP, Brasília, Vol.20, n. 107, 187-213, jul/out. 2023.

MINICURSO DIÁLOGOS EM DIREITO PÚBLICO

Essa resenha faz parte do Minicurso Diálogos em Direito Público, uma iniciativa da Revista Direito Público (ISSN: 2236-1766), que busca promover a divulgação científica e o debate sobre artigos científicos publicados na revista. Criado em 2023, o minicurso tem como objetivo fomentar a interlocução entre pesquisadores e a comunidade acadêmica por meio da apresentação de dossiês temáticos. Durante o evento, os autores dos artigos discutem suas pesquisas, permitindo a troca de ideias e a construção de novas perspectivas. Além disso, os participantes têm a oportunidade de produzir resenhas dos artigos, contribuindo para a reflexão e a expansão do conhecimento na área.

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