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Resenha crítica do artigo “Dar o Peixe Ou Ensinar a Pescar: O Falso Impasse Sobre a ‘Porta De Saída’ do Programa Bolsa Família”

Tatyane Karen da Silva Goes
Assessora jurídica da Diretoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, servidora pública, professora da PUC-GO de Direito Previdenciário, Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO, doutoranda em Direito Acadêmico Constitucional do IDP/DF.

RESENHA DO TEXTO: DAR O PEIXE OU ENSINAR A PESCAR: O FALSO IMPASSE SOBRE A “PORTA DE SAÍDA” DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

O artigo referenciado foi publicado na Revista Direito Público, v. 20, n. 108 (2023): Dossiê Temático “Desigualdades e Direitos Humanos: desafios nos sistemas de proteção constitucional e transnacional.”, publicada em 31 de janeiro de 2024, tendo como autores: Pablo Georges Cícero Fraga Leurquin, Luiz Felipe Monteiro Seixas e Lucas Costa dos Anjos. O texto aborda o benefício do programa bolsa família que foi criado em 2003 e regulamentado pela Lei Federal nº 10.836/2004 e normas posteriores. 

   Inicialmente, apresenta o programa bolsa família como uma referência na política social do Brasil, sendo um importante meio para a redistribuição de renda no país e redução da desigualdade, tendo em vista que atende a população em situação de pobreza e extrema pobreza, garantindo uma renda mínima para a sua dignidade, entrelaçada com outras políticas sociais vinculadas à saúde e educação, visto que o objetivo central do texto é demonstrar que apesar de não ser o programa do bolsa família o meio único e suficiente para retirar o cidadão da situação de vulnerabilidade, possui significativa importância.

   Na parte introdutória os autores trazem informações gerais sobre a concessão do benefício: como a renda per capita familiar deve ser de até R$ 218,00 (duzentos e dezoito reais) mensais, o valor do bolsa família que perfaz R$ 600,00 (seiscentos reais), com o acréscimo de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) nos casos de crianças com idade de 0 a 6 anos e outro de R$ 50,00 (cinquenta reais) no caso da família ser composta por gestantes, crianças entre 7 e 18 anos. Conjuntamente, como requisito para concessão dos benefícios assistenciais foi consolidado o Cadastro Único (CadÚnico) que sistematizou as informações das famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade, com o intuito de subsidiar a implementação de políticas públicas, ressaltando que tais políticas estão atreladas a contraprestações sociais dos beneficiários. 

  Em 2023, o programa do bolsa família completou 20 anos e é considerado uma referência na política social, razão pelo qual os autores traz a abordagem do tema sob o aspecto de “porta de saída” de famílias em situação de vulnerabilidade, saindo do CadÚnico, concretizando direitos socioeconômicos.

  Os autores realizaram a pesquisa bibliográfica e documental, dividiram o texto em três capítulos, abordando a relevância para a democracia e para a cidadania a necessidade de concretizar direitos socioeconômicos. Posteriormente, a relevância do bolsa família para a redução da pobreza e das desigualdades no país. Por fim, os dados mais recentes da concretização da saída de beneficiários do programa bolsa família.

   A primeira abordagem apresenta a Constituição Federal de 1988 e o processo de redemocratização do Brasil e a implementação de direitos socioeconômicos, direitos sociais a indivíduos até então invisíveis para o Estado. Em tempo, que apresenta o programa bolsa família como um direito socioeconômico importante para o alcance da cidadania, aduzindo que no estado democrático a reinvenção de direitos é uma constante.

  Para robustecer o capítulo, citam conceitos de importantes pensadores que tratam sobre o tema cidadania, tomando-o como o “direito a ter direitos, tendo em vista que a igualdade em dignidade não é um dado, mas fruto de uma construção coletiva no âmbito de uma comunidade política” (Leurquin, Seixas e Anjos, 2023, p. 345).

  Ressaltando, ainda, o impacto da política econômica da administração da distribuição de oportunidades, de acesso a serviços públicos, à saúde, à educação, limitando a liberdade dos indivíduos. Aduziu, ao final, deste ponto que após o advento da Constituição Federal de 1988 houve uma queda da desigualdade no país, reconhecendo que políticas públicas de um Estado de Bem-Estar duradoura é um desafio, assim como direitos individuais e políticos.

  No segundo ponto, apresentam, em específico, o programa bolsa família como uma ferramenta de combate à desigualdade.

  Ressalta que a desigualdade no Brasil não é apenas em razão da diferença de renda, mas cultural, social, oportunidades, salientando que a raça e o gênero são fatores cruciais que impactam fortemente na pobreza. Nos dados apresentados pelos autores, ficou demonstrado que a pobreza é expressivamente parda e negra e feminina, sendo o bolsa família pago, preferencialmente, para as mulheres, trata, também de um empoderamento.

   As características raciais são reflexos da história brasileira, que perdura no racismo estrutural e institucionalizado, limitando as oportunidades e reforçando estereótipos em razão da cor da pele.

   Os autores argumentam que a pobreza não é por falta de recursos financeiros, mas devido a distribuição desigual de oportunidades e acesso aos serviços públicos, aos postos de trabalho.

  Nesse capítulo, eles demonstram como o programa consegue através da política de transferência de renda atingir cidadãos invisíveis e mitigar a desigualdade, inclusive por meio das contraprestações dos beneficiários (vacinação infantil e frequência escolar) os dados demonstram que parte dos “filhos do bolsa família” conseguiram sair do CadÚnico, ou seja, alcançaram de fato uma vida digna que os retiram da situação de pobreza ou extrema pobreza.

  A eficiência do programa está em delimitar o seu público-alvo nos 20% mais pobres, gerando um impacto positivo maior.

   No último tópico, os autores apresentam os dados das pesquisas nacionais que refletem a implementação, o impacto e a eficiência dessa política pública, elucidando uma história concreta de dois beneficiários que atualmente são engenheiro de software e estudante de medicina.

   Assim, conseguem trazer à tona que o programa, em que pese, não ser o único fator e não ser suficiente para extinguir a desigualdade, tem obtido resultados satisfatórios na redução da desigualdade no país, tanto social quanto de raça.

   Entre as conclusões, destaco a ideia dos autores da qual eu igualmente comungo, o programa bolsa família é de extrema relevância para a redução da desigualdade e que deveria tornar-se uma política de Estado e não de governo, pois fica à mercê de interrupções e gestões sem compromisso com o cunho social.

   A leitura do texto concede uma visão clara da importância social do benefício do bolsa família, sem cunho expresso de políticos, mas como uma política, uma ferramenta de inclusão social, de redução de desigualdade social e um caminho para a cidadania efetiva daqueles que por muitas vezes passam despercebidos.

MINICURSO DIÁLOGOS EM DIREITO PÚBLICO

Essa resenha faz parte do Minicurso Diálogos em Direito Público, uma iniciativa da Revista Direito Público (ISSN: 2236-1766), que busca promover a divulgação científica e o debate sobre artigos científicos publicados na revista. Criado em 2023, o minicurso tem como objetivo fomentar a interlocução entre pesquisadores e a comunidade acadêmica por meio da apresentação de dossiês temáticos. Durante o evento, os autores dos artigos discutem suas pesquisas, permitindo a troca de ideias e a construção de novas perspectivas. Além disso, os participantes têm a oportunidade de produzir resenhas dos artigos, contribuindo para a reflexão e a expansão do conhecimento na área.

REFERÊNCIAS

LEURQUIN, Pablo Georges Cícero Fraga. SEIXAS, Luiz Felipe Monteiro. ANJOS, Lucas Costa dos. Dar o peixe ou ensinar a pescar: o falso impasse sobre a “porta de saída” do programa bolsa família. Revista Direito Público, Brasília, Volume 20, n. 108, 340-362, out/dez. 2023, DOI: 10.11117/rdp.v20i108.7604 / ISSN: 2236-1766.

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