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Resenha crítica do artigo: “A Aplicação da Lei Maria da Penha para Mulheres Trans – Aportes da Teoria Crítica Feminista e do Método da Posicionalidade”

Ivanir Parizotto
Doutoranda em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) . Mestre em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), com pesquisa na área de Direito de Segurança Social. Especialista em Gestão Previdenciária e Regimes Próprios da Previdência; Direito Constitucional Aplicado; Direito Previdenciário; Direito Penal e Processual Penal; Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, Especializanda em Direito Bancário e do Mercado Financeiro.

Introdução

O estudo examina a aplicabilidade da Lei Maria da Penha na defesa das mulheres trans com base em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), utilizando a abordagem teórica-metodológica feminista da posicionalidade de Bartlett (2020). O artigo começa reexaminando teorias de gênero, identidade de gênero e sexo com a orientação de Foucault (2021) e Butler (2022) para identificar discursos dominantes que levam à marginalização e à violência contra mulheres trans.

Além disso, o artigo analisa a histórica vulnerabilidade das mulheres trans no sistema judicial, agravada pela invisibilidade de parte dos movimentos identitários. É destacada a importância de uma abordagem crítica e desconstitutiva do discurso jurídico predominante para combater a invisibilidade dessas mulheres. A aplicação de abordagens feministas nas decisões judiciais é vista como um meio de garantir direitos para mulheres trans.

A análise da decisão do STJ demonstra a relevância de abordagens não hegemônicas, como a perspectiva da posicionalidade de Bartlett (2020), para superar a vulnerabilidade das mulheres trans e promover a dimensão emancipatória do campo jurídico.

PONTOS PRINCIPAIS

O artigo menciona que a cisheteronormatividade se consolidou como o discurso
dominante, marginalizando os corpos que não se conformam a esse padrão. Dentro dessa perspectiva, a normalidade é definida quando a identidade de gênero de um indivíduo corresponde ao gênero atribuído ao seu sexo biológico, e a orientação sexual é heterossexual, ou seja, quando alguém sente atração afetiva e sexual apenas pelo sexo oposto. Como resultado, as normas de comportamento da sociedade foram moldadas por um sistema que não tolera a diversidade individual.

O estudo aponta os diferentes domínios de poder estão interligados, a abordagem se volta para a atenção às experiências individuais das mulheres. Isso implica reconhecer que opressões como o racismo e a transfobia afetam indivíduos de maneira única, levando em conta suas identidades específicas. Isso enfatiza a necessidade de que o movimento feminista abrace a diversidade e evite a invisibilidade de certos grupos. É importante evitar a adoção de uma perspectiva epistemológica que veja a mulher como um sujeito universal do feminismo, pois isso pode obscurecer a multiplicidade de experiências em prol da estrutura hegemônica. 

O artigo traz argumentos de que as teorias essencialistas e construtivistas baseiam-se em oposições como natureza/cultura e corpo/gênero. Em contraste, o desconstrucionismo, desenvolvido por teóricos pós-modernos, adota uma perspectiva multidimensional que permite analisar corpos não-binários, como transexuais, travestis, pessoas de gênero fluído, a gênero e intersexuais. Essa abordagem questiona o discurso tradicional sobre sexualidade que marginaliza e subjuga esses corpos a uma estrutura opressiva.

A discussão deixa evidente a aplicação das abordagens teórico-metodológicas feministas nas decisões judiciais busca assegurar os direitos das mulheres trans, promovendo a visibilidade delas e combatendo diversas formas de opressão e preconceito que enfrentam. Isso envolve uma abordagem menos essencialista das teorias sobre sexualidade, incluindo sexo, gênero e identidade de gênero, e fortalece o reconhecimento do direito das mulheres trans à autodeterminação no âmbito jurídico. Dessa forma, a lei se torna uma ferramenta eficaz para combater a violência e proteger essas mulheres.

ANÁLISE CRÍTICA

A análise da decisão judicial no Recurso Especial nº 1977124/SP (2021/0391811-0) revela como o Poder Judiciário está interpretando e aplicando a Lei Maria da Penha em casos envolvendo mulheres trans. Essa análise ressalta a importância de uma abordagem crítica e feminista, baseada na teoria da posicionalidade, para entender o discurso jurídico e identificar a presença da cisheteronormatividade, bem como as restrições à autodeterminação da identidade de gênero das mulheres trans.

O estudo enfatiza como a linguagem jurídica predominante frequentemente negligencia e invisibiliza as experiências das mulheres trans, intensificando as desigualdades de gênero e as opressões que elas enfrentam. A partir das contribuições teóricas de autoras como Butler, Foucault e o transfeminismo de Nascimento, fica evidente a necessidade de dessencializar a linguagem jurídica convencional, que muitas vezes não abrange a diversidade das experiências de gênero e identidade.

O método da posicionalidade, introduzido por Bartlett, demonstra a aplicabilidade da
Lei Maria da Penha às mulheres trans e destaca a importância de uma abordagem crítica que reavalie as perspectivas tradicionais. Em um ambiente jurídico onde as noções tradicionais de sexo, gênero, raça e classe geralmente predominam nos discursos legais, a construção de uma linguagem mais inclusiva e sensível às múltiplas experiências de corpos que desafiam a cisheteronormatividade é fundamental.

Nesse contexto, é crucial considerar as diversas identidades e experiências presentes na sociedade e adotar uma abordagem interseccional. A aplicação do Direito com base na posicionalidade, aliada à proposta do transfeminismo de dessencialização de gênero, emerge como um caminho necessário para proteger e reconhecer os direitos fundamentais das mulheres trans nos fundamentos das decisões judiciais. Isso contribui para uma compreensão mais ampla e inclusiva das experiências das mulheres e para a promoção da justiça de gênero e da igualdade
perante a lei.

REFERÊNCIAS

SPOSATO, Karyna Batista. DE SOUZA SILVA, Matheus. DE ABREU, Lídia Nascimento Gusmão. A Aplicação da Lei Maria da Penha para Mulheres Trans: Aportes da Teoria Crítica Feminista e do Método da Posicionalidade. Direito Público, v. 20, n. 106, 2023.

MINICURSO DIÁLOGOS EM DIREITO PÚBLICO

Essa resenha faz parte do Minicurso Diálogos em Direito Público, uma iniciativa da Revista Direito Público (ISSN: 2236-1766), que busca promover a divulgação científica e o debate sobre artigos científicos publicados na revista. Criado em 2023, o minicurso tem como objetivo fomentar a interlocução entre pesquisadores e a comunidade acadêmica por meio da apresentação de dossiês temáticos. Durante o evento, os autores dos artigos discutem suas pesquisas, permitindo a troca de ideias e a construção de novas perspectivas. Além disso, os participantes têm a oportunidade de produzir resenhas dos artigos, contribuindo para a reflexão e a expansão do conhecimento na área.

Imagem de cabeçalho: Métropoles

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